De volta ao litoral devastado de Miyagi

Dois dias após a tragédia do dia 11, viajei de carro até Sendai, a capital da província de Miyagi e uma das cidades mais atingidas pelo terremoto de magnitude 9 seguido por um tsunami devastador com ondas de até 16 metros de altura.

Duas semanas depois, repeti a viagem. Desta vez, eu e meus colegas jornalista e fotógrafo fomos além de Sendai e passamos por grande parte do litoral de Miyagi. Nos surpreendemos ainda mais e uma vila em especial me chamou a atenção.

Minami-sanriku fica no litoral norte de Miyagi e metade da população, de cerca de 18 mil habitantes, desapareceu no dia 11.  A outra metade está em abrigos como uma escola de Ensino Médio que visitei. Essa escola fica no alto de uma montanha e foi para lá que muitos correram logo após o tremor. Sem energia elétrica e sem água desde então, o abrigo tem um relógio que ainda marca a hora exata da tragédia: 14h46.

Dizem que 95% da vila foi destruída. Parece verdade, pois vi apenas um ou outro prédio e casa de pé. A vista panorâmica, que já deve ter sido linda por causa do mar e das montanhas, agora lembra um lixão, um monte de entulho com lama e poças de água.

Essas cenas me impressionaram, mas não são muito diferentes do que eu já havia visto na TV. Fiquei mais impressionada ao ver como a vila se preparava para o tsunami. Todos sabiam do risco, apenas não esperavam ondas tão ferozes. O tsunami não foi surpresa. A força dele sim.

Conversei com uma adolescente de 16 anos, chamada Mio Saito. Ela, a mãe e a irmã se salvaram e estão alojadas na tal escola de Ensino Médio. Mio me mostrou onde era a casa dela, disse que a viu sendo arrastada pela onda e que não teve tempo de salvar o cachorrinho da família. Muito menos de pegar uma bolsa sequer. As três fugiram o mais rápido que puderam, apenas com a roupa do corpo.

Ela também me mostrou um prédio que serviria de abrigo e onde eram feitos os treinamentos para casos de desastres naturais. O prédio não resistiu à altura nem à força das ondas. Andando pela região, encontrei ainda uma espécie de portão ou paredão que foi construído para conter o tsunami. Ele também não deu conta do recado e foi destruído.

No porto de Ishinomaki, perto dali, vi um aviso que indica que eles também sabiam do risco de tsunami. A placa bilíngue diz “portão de evacuação em caso de tsunami” e parece ter sido atropelada pela onda.

Não acho que todo esse preparo tenha sido em vão ou simplesmente não tenha funcionado, como escreveu um leitor do blog. Pelo contrário, acredito que isso tenha salvado a metade da população de Minami-sanriku, por exemplo.

Sem esses treinamentos, sistemas de alarme – a população foi avisada da formação do tsunami com cerca de 20 minutos de antecedência! – imagino que todos teriam morrido.

Lembram do tsunami na Indonésia, em 2004? Foram quase 200 mil mortos e todos foram pegos de surpresa. Talvez nem soubessem da possibilidade de um acontecimento como aquele. Os japoneses sabiam.  Os mortos aqui devem chegar a 24 mil. É um número assustador, sem dúvida, mas bem menos do que o da tragédia na Indonésia.

No caso de Mio, ela contou que nem esperou o aviso. Pela força do tremor, ela já se sentiu avisada. Disse que ali sempre foi assim, quando há terremoto o povo sabe que tem de correr.

Vale lembrar ainda que a grande maioria das construções resistiu ao terremoto mais forte da história do Japão e o quarto mais forte do mundo!  O grande problema foi ele ter provocado um tsunami tão poderoso e tão perto da costa. Portanto, eu ousaria dizer que o Japão aprendeu a se defender do terremoto (obviamente dentro do possível, pois o “inimigo” é a toda poderosa natureza!) e está aprendendo a se proteger do tsunami.

FOTOS: não citei no texto, mas também me chamaram a atenção as marcas vermelhas (setas no chão ou caixas penduradas), que significam que ali há ou havia um ou mais corpos. Uma casa que foi parar em cima de um prédio! A estrada em perfeito estado, com apenas um ou outro ponto com marcas de reparo, a bela paisagem de inverno e os incontáveis carros do exército que encontramos na viagem. Por fim, o mar tão lindo e que agora me dá medo.